14.2.07

Os franceses em Lisboa 1.

A longa marcha desde Baiona estava quase no seu fim, a 29 de Novembro de 1807 Junot chega a Sacavém ao anoitecer, aí resolvendo pernoitar e receber as três deputações enviadas ao seu encontro, pelo conselho de regência, pelos comerciantes e pela maçonaria, que lhe asseguraram que em Lisboa tudo estava calmo.
Entra na cidade pela porta de Arroios às 9 horas da manhã do dia 30, mas desta vez não consegue fazê-lo de forma triunfal. Os populares que apesar do mau tempo se tinham concentrado no local, esperando ter um vislumbre daqueles "gigantes" que faziam tombar impérios europeus, mandam piadas ao ver apenas cerca de um milhar de homens esfarrapados, sujos de alto a baixo, com os pés a sairem das botas e tão famintos que não caminhavam - arrastavam-se.
O conde de Novion que era um emigrado francês e que comandava o corpo de polícia, ofereceu logo os serviços dos esquadrões de cavalaria aí presentes para prestarem as honras militares, dando descanso a esses soldados, sendo com essa escolta que Junot é conduzido pelo Intendente, Mouraria e Rossio até chegar a Belém, de onde corre para a bateria do Bom Sucesso, deixando ordens claras ao artilheiros para dispararem sobre toda e qualquer embarcação que tentasse sair da barra do Tejo. Depois disso só a galera Chocalho o consegue fazer.
Os lisboetas não recebem logo em clima de revolta os franceses, tal como no resto do país, sentem-se abandonados pelas classes dirigentes e em certos circulos de uma burguesia literada fortemente adepta do iluminismo, a ideia que de França vinha alguém que pudesse reformar um território caído no marasmo e a atravessar uma grave crise económica, é por muitos acarinhada. Os que falavam francês chegam mesmo a confraternizar nos cafés e, principalmente no Nicola que já era um ninho dos ideiais progressistas, com os oficiais que chegavam e sonhavam com uma possível constituição portuguesa outorgada por Napoleão.
Quanto a Junot, resolvidas as primeiras questões, faltava decidir quais seriam os seus aposentos, recusou os que lhe foram fornecidos pelo conselho de regência no palácio da Bemposta, preferindo alojar-se naquele que era o mais rico da capital propriedade do barão de Quintela, situado na rua do Alecrim, de onde estava a uma curta distância do Rossio onde gostava de assistir às paradas militares. Exigiu ainda que o senado do município lhe pagasse 12.500 cruzados mensalmente para fazer face às despesas.
Thiébault que era o número 2 da hierarquia, alojou-se no palácio Ratton a expensas do seu proprietário e Delaborde, que ficou como comandante miltar da capital, aloja-se em casa de António de Araújo Azevedo, que tinha partido com a corte para o Brasil. Há que referir que todos os oficiais tinham direito de alojamento e aquecimento em casas particulares, basicamente escolhiam a que mais lhes agradava e aí se instalavam, o que como é normal, nem sempre era do agrado dos seus proprietários, ainda para mais quando lhes era exigido também a alimentação.
A restante soldadesca ficou em aquartelementos já existentes como os de Alcântara e de Belém, mas também no castelo de S. Jorge de onde foram expulsos os alunos da Casa Pia e nas fortalezas de S. Julião e Búgio. A grande maioria dos cerca de 10.000 estacionados em permanência, ficou em conventos requisitados para o efeito: Carmo, S. Domingos, Camilos, Jesus, Caetanos e Inglesinhos.
Para tratar dos doentes que afluíam em grande número e apesar das más condições oferecidas pelos hospitais militares, foi decidido utilizar os do convento do Beato (ou da Corte), o da Estrela e o da Marinha (quase vazio, dado que todos os efectivos tinham sido chamados para a viagem da família real). O convento da Graça e o hospital de S. José ficaram como unidades de apoio.
Os homens que iam chegando, ficavam a aguardar a reorganização do seu regimento, entretanto recebiam novos equipamentos, uma vez que as oficinas estavam a trabalhar em exclusivo para isso. Após um período de descanso, seguiam para as zonas consideradas de extrema importância para a defesa da capital como a fortaleza de Peniche, o convento de Mafra, etc.
Lisboa era como que o espelho do país, pobre, suja e desorganizada, animais de pequeno e grande porte vagueavam pelas ruas onde o lixo se acumulava, bem como todo o género de àguas inquinadas. A iluminação pública não existia, pelo que todos concordavam que sair de casa de noite só em caso de extrema urgência e o melhor era levar uma arma.
Acúrcio das Neves no meio do ódio que nutria pelos franceses, reconheceu que os mesmos pelo menos ao mandarem limpar as ruas, organizarem patrulhas de polícia e iluminarem certas ruas, melhoraram o ambiente da cidade,tornando-a mais segura e o ar mais respirável