30.1.07

Requisições

Se uma constante houve ao longo da primeira invasão, essa constante foram as requisições. Noutro capitulo já foi referido que o exército francês dependia de si próprio para se abastecer, mas os seus generais levavam um pouco mais longe essa directriz.
O general Loison exigiu dos monges de Alcobaça uma entrega semanal de 12 garrafas de vinho do porto, doces diversos, 3 garrafas de vinho da madeira, 6 arráteis de velas de cera, café, 2 presuntos, 6 galinhas e 3 perus, 6 dúzias de ovos, e 12 arráteis de açucar. Se conseguia comer tudo no espaço de uma semana não o sabemos.
Curioso era o caso de outro general, Thomiéres que tinha a seu cargo a fortaleza de Peniche, nessa condição exigia do mesmo mosteiro 228 móios e 6 alqueires de trigo, cevada e legumes. Mas estes abstecimentos não chegavam à guarnição, eram por ele vendidos no mercado local a preços mais baixos, garantido-lhe um escoamento do produto.
Junot pouco depois de se instalar em Lisboa, ordenou que fosse elaborada uma lista com todos os comerciantes e os seus rendimentos, após o que a cada um foi cobrada uma percentagem, servindo esse dinheiro para pagar algumas outras requisições, como sapatos para a tropa, vinho, etc. Nos primeiros meses pagaram em parte ou na totalidade aquilo de que necessitavam, depois e conforme se pode ver em documentos do arquivo histórico militar, avolumavam-se as queixas de pessoas cuja dívida não parava de crescer.
Escusado será dizer que após a derrota nada foi pago, mas a pior requisição foi a do ouro e da prata das igrejas, para a cunhagem de moedas, tendo escapado uma autêntica fortuna para França.

29.1.07

Portugal de Junho a Agosto de 1808.

Em Agosto de 1808 a situação do exército francês em Portugal não era nada favorável, a retirada das forças espanholas de volta para o seu país na sequência da revolta que aí estalara e a derrota e rendição do general Dupont em Baylén, significava que grande parte do território nacional já fugia ao seu controlo e que as comunicações com França estavam cortadas.
As fortalezas de Almeida e de Elvas tinham sido guarnecidas na esperança do restabelecimento das linhas por onde poderiam vir os tão necessitados reforços, mas o número de soldados ao dispor de Junot diminuía na proporção em que aumentavam as revoltas. Tornou-se necessário alterar todo o dispositivo estabelecido anteriormente dispersando efectivos por vários locais da costa até à Figueira da Foz para prevenir desembarques, mantendo no entanto uma forte presença em Peniche.
Em Lisboa, cerca de 10.000 soldados mal eram suficientes para conter os ímpetos da população e as patrulhas tiveram de ser reforçadas, soldado que saísse sózinho não voltava. Nem mesmo os sucessivos fuzilamentos resolviam o problema.
O corpo de exército do general Loison foi reforçado com o objectivo de fazer face às revoltas de que iam chegando conhecimento, mas no primeiro confronto para retomar o controlo da cidade do Porto onde estava a principal Junta que se opunha ao governo dos franceses, foi confrontado com resistência de populares na zona de Mesão Frio, sendo obrigado a retroceder ficando para trás a ponte de Amarante que lhe abriria o caminho. Curiosamente a 22 de Junho ao regressar à capital tem uma pequena multidão a esperá-lo pois correra o boato de que tinha sido morto nesta refrega.
Voltou-se então para o Alentejo, onde o terreno não é tão acidentado podendo progredir mais rapidamente e aplacar revoltas como as de Vila Viçosa e Beja, tendo em Évora de enfrentar um combate terrível que causou bastantes baixas de ambos os lados, isto sem contar com os fuzilamentos que se seguiram à conquista da cidade por parte dos franceses.
Mal Loison retirou na direcção de Lisboa e já outras localidades, que acolheram os sobreviventes do combate, revoltaram-se horrorizados os seus habitantes com o que lhes contavam dos saques e violações cometidas, não podendo o general deixar guarnições atrás de si por entretanto ter recebido notícias do desembarque dos ingleses em Lavos.
O Algarve era outra zona que estava perdida, a escassa presença de oficiais e soldados franceses, não era nem de perto suficiente para conter os revoltosos, sendo Olhão a primeira, muitas outras localidades lhe seguiram o exemplo.
Assim em meados de Agosto só mesmo a zona compreendida entre as Caldas da Rainha e Lisboa, estava efectivamente em posse dos franceses, cuja prioridade deixou de ser as revoltas, para passar a ser os Ingleses que avançavam rapidamente para Sul na direcção da capital, o confronto era inevitável. Junot entretanto enviara o general Delaborde para a zona de Alcobaça, onde deveria recolher informações e se possível retardar o avanço do inimigo, necessitando para tal de encontrar o terreno ideal para um confronto dessa natureza.
O antigo campo de batalha de Aljusbarrota de que lhe falaram, não era adequado às armas do século XIX, pelo que depois verificar que os ingleses vinham em sua direcção e que eram cerca de 15.000, resolveu retroceder para uma zona que atravessara havia poucos dias e que lhe parecera ideal.

28.1.07

Frei António Pacheco

Numa época onde grande parte das populações eram analfabetas, não eram os poucos jornais que existiam que constituíam grande fonte de informação. Do mesmo modo os editais régios que iam aparecendo necessitavam de alguém que os soubesse ler para a população e só um local atraía gente em número considerável.
Do alto dos seus púlpitos, os clérigos tinham autênticas tribunas de onde podiam influenciar o espírito daqueles que os escutavam. Frei António Pacheco, foi um desses homens que durante a primeira invasão soube aproveitar isso muito bem , graças aos seus dotes de oratória e podemos dizê-lo de "encenação".
Um episódio ficou inscrito para a posteridade - na sequência da derrota de Loison em Mesão Frio e a captura de alguma da sua bagagem, onde se incluíam uniformes de gala, este frade subiu ao púlpito da Sé do Porto com o sentimento que a revolta da cidade e a formação da Junta ainda eram acontecimentos muito recentes e que ainda eram muitos os que vacilavam na sua adesão à mesma, pegou então num desses uniformes e colocou-o a seu lado.
Invectivando os ânimos patrióticos, começou a bater-lhe com um pau, infelizmente não nos chegaram as palavras exactas que proferiu, apenas a reacção do povo que o escutava e que saiu da igreja aos gritos de "Morte aos Franceses", "Viva D. João" e "Fora com os Jacobinos", etc.

26.1.07

A medicina no teatro de guerra.

Recorre-se sempre às mesmas palavras para se descrever a medicina na época napoleónica, ou seja, não existiam condições de higiene e a amputação era o remédio mais prescrito - um soldado que fosse ferido em batalha, teria ainda de combater contra as infecções, perda de sangue e moscas, que resultavam na maioria das vezes em morte. Outro problema era precisamente o da evacuação de feridos, sendo essa uma tarefa que por vezes demorava dias, pelo que quem podia caminhar encarregava-se de pelos seus próprios meios de encontrar o hospital de campanha.
Os únicos analgésicos conhecidos eram o rum, brandy e um pedaço de madeira para morder. Alguns exércitos proibiam os seus homens de emitir qualquer som quando estivessem na mesa do cirurgião, que era utilizada sem qualquer limpeza. Será escusado dizer que com este tratamento as taxas de mortalidade eram elevadas.
Apesar de tudo a amputação também conduzia a uma rápida melhoria do soldado em questão, pois limpava os fragmentos da bala, de osso ou de tecidos mortos que poderiam originar graves infecções e os melhores cirurgiões sabiam que se actuassem rapidamente quando a pessoa ainda estivesse em choque depois de uma batalha, isso significaria uma menor presão sanguinea o que equivalia a uma menor perda de sangue.
Usavam-se diversos tipos de serra consoante a parte a amputar, o pior é que depois de algumas horas de corte, as lâminas ficavam rombas e não eram substituídas.
Claro que também se faziam pequenas cirurgias, se uma bala estivesse ao alcançe de um dedo era retirada, mais fundo do que isso ficava dentro do corpo. Rasgões causados por baionetas e desde que não tivessem atingido um orgão vital eram limpos e cozidos, geralmente com fio de algodão ou mais raramente com um fio muito resistente feito a partir de tendões dos animais.
Dois nomes destacaram-se neste período - Dominique Larrey em França, que inventou uma ambulância para uma evacuação mais rápida dos feridos e James Macgrigor em Inglaterra, que inventou um hospital "pré-fabricado" que acompanhava o exército em campanha. Ambos perceberam que quanto mais depressa intervissem nos ferimentos, mais possibilidades de sobrevivência teriam os homens, mas os seus pedidos para que mais carroças fossem colocadas ao serviço dos corpos médicos esbarravam na constatação de que as mesmas já eram poucas para os abastecimentos que por sua vez não podiam entrar em ruptura ou tudo o resto parava.
Tirando as feridas, as doenças que mais mortes causavam quando um exército estava em movimento eram a desinteria, o tifo, pneumonia, diarreia, tuberculose. Feridas mal curadas davam origem a gangrena, outra grande preocupação, tal como fracturas que se não sarassem bem seriam um problema.

23.1.07

O Forte de Santa Catarina, Lavos.


O desembarque em Lavos 2.

A 20 de Junho de 1808, sir Arthur Wellesley, zarpa de Cork a bordo da fragata Crocodile, antecipando-se à restante esquadra, que ainda embarcava os cerca de 10.000 homens que iriam ficar sob seu comando. Tinha um objectivo simples, encontrar um local de desembarque.
Efectuou uma primeira paragem na Corunha, onde uma junta de governo recusou o auxílio militar inglês (ainda tendo bem presente que até há pouco eram inimigos e que Gibraltar e Cádis estavam nas suas mãos), mas não recusou o ouro e as armas também oferecidos. Aconselharam-no a desembarcar em Portugal onde estalara a revolta e onde era necessário urgentemente esse auxílio dado o estado do exército.
Dirigiu-se então ao Porto, onde é recebido por D. António de Castro, Bispo da cidade e Presidente da Junta Provisional do Supremo Governo, que acolhe a sua oferta de braços abertos e se dispõe a colaborar no que fosse necessário. Sózinhos os portugueses pouco poderiam fazer contra uma investida francesa, os regimentos estavam desorganizados, poucos possuiam o uniforme quanto mais as armas, os oficiais também eram poucos e é preciso não esquecer que os melhores estavam em França ao serviço de Napoleão na Legião Portuguesa.
Carroças, gado e cereais são postos à disposição de Wellesley, bem como cavalos que não puderam ser embarcados na Irlanda, mas quanto a soldados só cerca de 1700 infantes e 200 cavaleiros se juntaram aos ingleses e ao ver o seu estado calamitoso, estes perceberam bem porquê. Organizada esta parte da sua viagem, embarcou novamente na Crocodile e já em Julho, conferencia com o almirante Cotton, comandante da esquadra que bloqueava a embocadura do rio Tejo.
O plano de operações fica estabelecido, a captura de Lisboa e do seu porto de àguas profundas onde poderia fundear uma esquadra e por onde chegariam reforços e abastecimentos era primordial, sendo assim um desembarque no Porto foi posto de lado pela longa caminhada que isso implicaria, aliado ao facto de ainda não poder dispor de todo o exército e das dificuldades com as provisões. Tornou-se necessário encontrar um local mais perto, numa costa que quanto mais para Sul, menos possibilidades oferecia.
Excepção feita a Peniche, mas o seu porto estava protegido por uma poderosa e bem guarnecida fortaleza. A solução foi finalmente fornecida pelo almirante, ao referir que em Lavos, um forte na foz do rio Mondego, estava em posse de tropas britânicas.
A 1 de Agosto inicia-se o desembarque, infelizmente o mar e apesar de se estar em pleno verão, apresentava-se com uma forte ondulação, provocando acidentes com os barcos e chegando mesmo a afundar alguns com os homens a bordo. Toda a operação se atrasou e prolongou-se até dia 5, altura em que chegou o corpo de Spencer proveniente de Cádis, levando a que fossem necessários mais três dias para ter toda a gente em terra.
No total foram necessários mais de 8 dias para que se iniciasse a marcha, Sir Arthur era um apologista de um bom comissariado que garantisse as necessidades do seu exército, mas teve que o organizar do zero, reunindo carroças e na falta de cavalos, bois para as puxarem. A maioria dos mantimentos continuariam por enquanto a serem fornecidos pela frota que o acompanharia ao largo.
A 7 de Agosto, encontrou-se em Montemor-o-Velho com Bernardim Freire, posto no comando das tropas portuguesas pela junta do Porto. Ficou decidido que se reuniriam em Leiria nos dias 11 e 12, localidade onde receberam notícias de que a divisão de Loison deixara o Alentejo e que poderia aproveitar para atacar Coimbra e assim cortar as comunicações com o Norte. Tomaram também conhecimento que a divisão de Delaborde estava em Alcobaça.
Wellesley aconselha então Bernardim Freire a ficar em Leiria e organizar melhor as seus homens, enquanto ele continuaria na rota prevista para Sul.

22.1.07

O desembarque em Lavos 1.

Os ecos da formação de uma junta governativa do reino no Porto para combater os franceses depressa chegaram a Coimbra, onde lentes e estudantes formam o Batalhão Académico que se vai distinguir particularmente ao longo da campanha peninsular. José Bonifácio de Andrade e Silva, que ensinava metalurgia foi um dos principais insurgentes e graças aos seus conhecimentos os laboratórios da universidade são utilizados para o fabrico de pólvora, que estava na sua maioria em mãos inimigas. Impulsionou igualmente o fabrico de balas e cartuchos.
Foram buscar as armas que ainda estavam no arsenal da cidade, depositadas quando fora ordenada a extinção de regimentos e milícias e distribuem-se pela população para a defesa da cidade. Entretanto dada a adesão e para que houvesse uma melhor organização, o batalhão é dividido em duas secções - uma de lentes e outra de estudantes. A ultima destas vai ter a sua primeira jornada de glória na noite de 24 para 25 de Julho de 1808.
Um grupo de cerca de 40 estudantes comandados por António Zagalo, a quem haviam outorgado o posto de sargento, sai de Coimbra em direcção da Figueira da Foz, pois no forte de Santa Catarina, que protegia a foz do rio Mondego, estava uma guarnição francesa. Pelo caminho diversos populares juntam-se aos estudantes e o seu número já devia rondar as centenas ao chegarem perto do forte, pois os franceses que nessa altura não conseguiam comunicar com Lisboa e por isso também não recebiam reabastecimentos, rendem-se aos revoltosos.
Não foi disparado um único tiro, mas é permitido que os 80 soldados retirem com armas e bagagens, na sua viajem para Sul recolhem também as guarnições da Nazaré e de S. Gião. De presença francesa nessa parte da costa, só fica a guarnição de S. Martinho que resolve entrincheirar-se e aguardar reforços.
Entretanto no forte de Santa Catarina, os estudantes hasteam a bandeira real, o que chama a atenção dos ingleses que ao largo vigiavam atentamente e vinham inclusive muitas vezes a terra, adquirir produtos frescos e tentar obter informações. Assim ao aperceberem-se dos acontecimentos enviam 300 homens e artilharia para guarnecer o forte.

Arthur Wellesley

Nascido em Dublin a 29 de Abril de 1769 (foi sempre muito susceptível quanto à sua origem irlandesa), era o quarto filho do Conde de Mornington. Estudou em Eton e na Academia Militar de Angers, em França, não se distinguindo particularmente até aos 20 anos.
Como era prática usual entre os filhos da aristocracia a quem estava destinada uma carreira militar, a 7 de Março de 1787 foi-lhe comprada uma comissão por vontade de sua mãe, no 73th foot que estava então na Índia, mas nunca se chegou a juntar ao mesmo tendo permanecido no aquartelamento e depois transitado para outros regimentos. Neste periodo era um verdadeiro playboy, chegou a ter projectos para casar, mas foi recusado pela família da noiva por não ter perspectivas de futuro.
A partir daqui a sua vida muda, especulando-se se foi este o acontecimento que o provocou, deixou de jogar e de beber e tentou melhorar as suas aptidões em ciência militar, algo que nenhuma academia ensinava, ao mesmo tempo voluntaria-se para combater. Em Abril de 1793 foi promovido a major, estando então com o 33th foot, que cinco meses depois já comandava com o posto de tenente-coronel (muitas das suas promoções continuavam a ser compradas, algo que não era incomum em Inglaterra).
Em Junho do mesmo ano embarca em Cork com destino a Ostend, tomando parte na fracassada tentativa de invasão dos Países Baixos, distiguindo-se no entanto ao proteger com o seu regimento a retirada das restantes forças britânicas, mais tarde e ainda durante esta campanha é lhe confiado o comando de uma brigada. Recordando estes acontecimentos, disse mais tarde que ao menos aprendera como as coisas não deveriam ser feitas.
Ainda com 33th foot é destacado para a Índia, onde chega a 17 de Fevereiro de 1797, reportando directamente a Lord Corwallis, coronel titular do 33th (como aristocratas de gabarito eram requisitados para outras funções, não servindo nos seus regimentos) e à época governador da colónia, posição que foi depois ocupado pelo seu irmão mais velho, o que lhe aumentou as possibilidades de progressão na carreira.
Após um período calmo, em que aproveita para ler as melhores obras disponíveis sobre estratégia militar, em 1803 comanda duas importantes expedições contra exércitos Maharatas, treinados e armados por franceses. Contando com a rapidez de manobra e com o efeito de surpresa alcançado (percorre 16 milhas em 30 horas) derrota forças superiores em Assaye e Argaum e conquista a fortaleza de Gawilghur. Por estes feitos é promovido a major general, mas renuncia à patente, regressando a casa em 1805, com a reputação e a riqueza garantidas (a atribuição de prémios de vitória renderam-lhe alguns milhares de libras e recebe igualmente a primeira menção honrosa - Knight of the Bath). O facto de o seu irmão terminar o mandato não era alheio à sua decisão, uma vez que os dois protegiam-se mutuamente.
Recomeça as suas actividades como membro do parlamento da Irlanda, primeiro como deputado, sendo depois nomeado primeiro secretário, ainda assim toma parte na também fracassada expedição a Hannôver, que Austerlitz tornara impraticável. No verão de 1807 está novamente no campo de batalha, comandando a única força inglesa que verdadeiramente combate na Dinamarca, sai vencedor em Kioge, onde 1500 dinamarqueses são feitos prisioneiros.
Promovido a tenente general em 25 de Abril, a 15 de Junho já se encontra em Cork a preparar uma nova força expedicionária, que a princípio se destinaria à América do Sul, mas que após a eclosão das revoltas na Península Ibérica é para aí desviada, vendo nisso o governo inglês uma oportunidade de ouro para fazer a guerra a Napoleão longe das suas fronteiras e que pudesse conduzir outras nações de volta ao combate.
Sendo o mais júnior dos oficiais superiores, o seu comando era temporário devendo ser sustituído por sir Harry Burrard, depois por sir Hew Dalrymple e finalmente por sir John Moore.

Tenente Coronel George Lake

As guerras proporcionam certos episódios que se não fossem trágicos, figurariam nos livros como caricatos, na Batalha da Roliça aconteceu um deles. O 29th foot (regimento de infantaria de linha inglês) tinha no seu comando o tenente coronel George Lake, um veterano das guerras da Índia tal como o próprio Arthur Wellesley e um apologista das cargas frontais com baionetas, muito audaz e corajoso em batalha.
Os seus homens não tinham essa experiência, pois este regimento havia nove anos que não entrava em acção, sendo chamado para fazer parte da expedição que acabou por desembarcar em Portugal, carecia de veteranos que entretanto se retiraram, o seu baptismo de fogo ocorreria pois em solo nacional.
No dia do confronto, 17 de Agosto 1808, Lake vestiu-se com particular esmero, o uniforme regulamentar era dispensado por muitos oficiais, ele incluido e quando questionado sobre o porquê respondeu que poderia morrer naquele dia e ao menos queria ir elegante.
O seu regimento estava incorporado com o 82nd foot na brigada de Nightingale e na primeira fase da batalha não se fala dele, pois seguiu as ordens tal como Wellesley as ditara de manhã cedo, mas após a retirada francesa da primeira posição para o Alto da Columbeira, uma quase fortaleza natural dado o seu difícil acesso, começa a sua odisseia.
Perante o cenário em causa, foi ordenado aos regimentos que progrediam ao centro, como era o caso do 29th, para disporem apenas as suas companhias ligeiras e aguardar o avanço dos flancos para que se completasse uma manobra de cerco.
A travessia das aldeias e de diversas linhas de àgua atrasaram a progressão e o coronel Lake foi o primeiro a chegar ao sopé do monte, para demonstrar porque é que ele era a pior escolha para estar no comando durante um ataque que se queria de diversão. Desejoso de fama para si e para o seu regimento, decidiu-se a avançar em linha por uma das passagens e inicialmente foi bem sucedido surpreendendo algumas unidades francesas e dando azo a que alguns suíços desertassem para o seu campo, apertando as mãos aos ingleses diziam que não os queriam combater, que eram amigos.
Mas a sua recusa obstinada em descer do cavalo faziam dele um alvo para os atiradores inimigos, que não perderam a oportunidade, atingindo-o primeiro na garganta e depois no peito. Os seus homens incapazes de no estreito espaço de que dispunham de manter a formação, receberam fogo cruzado que lhes causou muitas baixas, precedido de um contra ataque organizado pelo general Brennier que os obrigou a retroceder.
Pararam num pequeno bosque onde os franceses já não se atreveram a persegui-los, até porque entretanto chegavam outras unidades de apoio, no campo da refrega deixaram cerca de 30 prisioneiros, oficiais incluidos e cerca de 70 mortos, entre os quais figurava o seu comandante.
Para quem visita a Zambujeira dos Carros, seguindo na direcção do Alto da Columbeira e já depois de entrar numa estrada de terra batida, depara-se com um cruzamento, virando então para a direita e descendo encontra o túmulo deste infeliz Coronel, morto sem a glória que desejava, mas imortalizado pela sua acção.

Estrada Real Caldas Óbidos.


Jean Andoche Junot

Nasceu a 23 de Outubro de 1771 em Bussy-le-Grand, França, filho de um abastado lavrador e por isso pôde frequentar a escola, chegando a ir para Paris cursar direito. Tinha 20 anos quando se envolve na onda revolucionária que em 1789 varre o país, pegando em armas para a defender e alistando-se no batalhão de voluntários da sua província de origem - Côte d'Or.
Dada a sua audácia e valentia é rapidamente promovido a sargento de granadeiros e ganha a alcunha de "la têmpete", o furacão. Durante o cerco de Toulon conhece um general de artilharia que então se começava a distinguir e que requisitando alguém para escrever uma carta, aparece Junot que não a interrompeu nem quando uma explosão muito perto dele o cobre de terra. Impressionado o jovem Napoleão acolhe-o sob a sua protecção.
Estava garantida a sua ascensão à medida que a estrela do seu protector brilhava cada vez mais no firmamento. Em 1801 fez parte da expedição, ainda ligada à Guerra das Laranjas, que comandada pelo general Leclerc não passou da fronteira. Mas em inícios de 1805 e depois de ser promovido a coronel-general de hussardos, recebe a incumbência de substituir como embaixador o general Lannes e com a sua esposa vem pela primeira vez a Lisboa.
A sua entrada na capital assemelha-se a uma grande parada real, não demonstra nem grandes aptidões nem vontade para o lugar ocupado e assim que rebenta a guerra com a Áustria, deixa o seu cargo para poder nela participar. Não volta ao seu posto anterior, após a vitória é enviado para Parma onde rebentara uma revolta. Em 1806 está finalmente em Paris junto do agora Imperador Napoleão e dele recebe o título de governador da cidade, mas é olhado com cada vez mais desconfiança.
Contrai elevadas dívidas devido ao jogo e aos seus gostos extravagantes, nunca se sabe o que esperar dele e do seu carácter explosivo, tem inimigos a toda a sua volta, entre os quais o poderoso ministro de guerra, o general Clarke. A sua fama de mulherengo alastra e quando o ligam a um caso com Caroline Bonaparte, irmã de Napoleão, este não está com meias medidas e resolve novamente afastá-lo da corte entregando-lhe o comando do 1º exército da Gironda.
A sua experiência anterior em Portugal também foi determinante para este posto, uma vez que este era o exército destinado à invasão, a sua lealdade para com o imperador e o voluntarismo com que cegamente cumpria as suas ordens era essencial para como dizia o próprio Napoleão "Conquistar Portugal a passo de carga".
O pior é que Junot usava pouco de diplomacia e não era um administrador hábil, cumpriu estritamente as ordens recebidas, mas rapidamente a situação se deteriorou e o seu governo tornou-se objecto de ódio, que reprimiu da forma mais violenta, não conseguindo no entanto aplacar as revoltas.
Por este feito, é preciso não esquecer que atravessa a península com um exército em pouco mais de 1 mês, recebe o título de Duque de Abrantes, mas não o bastão de marechal por ter deixado escapar a familia real e a frota para o Brasil.
Derrotado em Portugal e sendo o único dos companheiros de Napoleão que ainda só era general, a sua carreira entra num declínio acentuado, que se agrava na campanha da Rússia em 1812 ao comandar uma carga desastrosa que sacrificou muitos homens, não merecendo a partir daí a confiança do seu imperador e só confirmando o que os seus detractores diziam dele - que era um valente, mas um general sem capacidade para liderar uma divisão.
Em 1813, já após a derrota e primeira abdicação de Napoleão, põe termo à vida.

21.1.07

Bairro Senhora da Luz


Brilos, parte 4.

Recordando os três pressupostos:
- Existência de um moinho.
- Uma ligeira elevação.
- Uma linha de àgua, excluíndo o Rio Real.
Já havia referido anteriormente que a estrada real que ligava as Caldas da Rainha a Óbidos, saía por detrás do actual quartel militar e dirigia-se para o Bairro da Senhora da Luz, passando por Stº.Antão, desembocando junto às muralhas.
Aqui reside precisamente o factor essencial para a descoberta de "Brilos", mas há que relembrar igualmente que o período conhecido por Guerra Peninsular começa em 1807 em Portugal e só termina em 1814 já em França, a importância da escaramuça conhecida como "Brilos", reside no facto de aí terem sido disparados os primeiros tiros de toda a campanha e não sendo a primeira vez que ingleses e franceses se defrontaram, foi a primeira vez que Arthur Wellesley, mais tarde Duque de Wellington, comandou um exército, iniciando a sua fulgurante carreira com apogeu em Waterloo.
Em Agosto de 1808 havia este general desembarcado em Lavos, perto da Figueira da Foz e no seu avanço para Sul seguiu uma rota paralela à costa, por estar o exército dependente dos víveres que a frota fornecia e tanto quanto possível procurava acompanhar as estradas reais, para que a progressão fosse mais rápida em direcção a Lisboa, cujo porto de águas profundas era o seu objectivo.
Posto isto, na actualidade ainda existe a estrada que liga as Caldas ao Bairro, uma aldeia onde se destaca num largo a Igreja de Nossa Senhora da Luz. Estando defronte da dita igreja, confrontamo-nos com um terreno muito transformado por construções recentes, estando a vista para Norte obstruída por habitações e por eucaliptos.
Do núcleo mais antigo pouco subiste e terraplanagens ocorridas há pouco quase que levavam o elemento que para nós é o mais importante, um moinho que se situa numa ligeira elevação e muito perto de uma linha de àgua, um ribeiro afluente do Real.
Os habitantes do local ainda se lembram de há cerca de 40/50 anos toda a zona ser um imenso pantanal, entretanto drenado para dar lugar à agricultura. Era algo insalubre e os surtos de malária que automaticamente associamos a países tropicais, ocorreram também aqui.
A aldeia era por isso muito pequena, gravitando em volta da igreja e, dada a planura do terreno avistava-se perfeitamente a saída das Caldas da Rainha. Situada a meio caminho, permitia ainda um recuo rápido para Óbidos. Acreditamos assim que aqui se situa Brilos, correspondendo na perfeição aos relatos que nos chegaram da escaramuça.

19.1.07

O general Junot protege a cidade de Lisboa.


União e Revolta.

São escassas as ocasiões na História de Portugal em que podemos efectivamente encontrar toda a sua população unida em torno de uma causa, de um ideal. A crise de 1383 - 85 constitui o primeiro desses momentos de afirmação da nacionalidade, face ao perigo que representava na época a anexação do reino por parte de Espanha, nem o próprio D. Afonso Henriques tinha conseguido essa união para a sua causa - a de fundar um novo país.
Um segundo ocorrerá em 1640, aqui de forma mais lenta, dada a aculturação sentida pelos vários anos de convivência e depois de ocupação espanhola, estando na base da revolta mais as questões económicas do que sociais e políticas. Por isso é também muito discutível dadas as divisões sentidas durante todo o processo.
O terceiro desses momentos e o último até aos dias de hoje, encontramo-lo no período das Invasões Francesas, mas é preciso não esquecer que em finais de 1807 o general Junot, comandante das forças francesas é bem recebido em Portugal, não só por aqueles que na altura eram designados como "afrancesados", ou seja, pessoas que tinham recebido uma forte influência da cultura e da civilização do país de Napoleão, como também por uma larga franja da sociedade.
Os ideiais iluministas tinham-se espalhado como um rastilho pela Europa e só faltava quem lhe puxasse fogo, com a corte a caminho do Brasil e também com as elites fora, os que por cá ficaram sentiram-se abandonados e numa primeira fase acolheram com alguma indiferança os franceses, resolvendo esperar para ver o que dali vinha.
Claro que os inúmeros episódios de atropelo das tradições e costumes, bem como a sobranceria de quem se portava como um conquistador, dispondo de tudo como bem entendia e lançando pesadas requisições e impostos sobre a população, levou aos primeiros focos de revolta. Mas com o país ocupado quer por tropas francesas quer por tropas espanholas, tornava-se difícil qualquer movimento de revolta.
Só após a retirada espanhola é que começaram a sair das sombras os que já há algum tempo contestavam o governo do general Junot e aí o grito foi só um "Morte aos Franceses" e eclodiu de Norte a Sul do país desde o nobre ao camponês mais humilde.
Quanto aos ditos "afrancesados", houve aqueles que permaneceram ao lado de Junot e com ele embarcaram de volta a França em Setembro de 1808, mas a maioria ao assistir aos actos de prepotência e incompetência deste governo, bem como ao adiamento consecutivo da atribuição de uma tão almejada constituição, depressa se descartaram das suas posições iniciais e lutaram ao lado dos demais para expulsar estes invasores.

18.1.07

Leitura

Império à deriva, A corte portuguesa no Rio de Janeiro 1808 - 1821, Patrick Wilcken,Editora Civilização 2004.
Um livro muito agradável de se ler, embora não se refira directamente às Invasões Francesas, fala-nos do período em que Portugal viu uma das suas colónias ser elevada à condição de reino com a chegada da familia real e é preciso não esquecer, as cerca de 15.000 pessoas que representavam os extractos cimeiros da sociedade.
As guerras palacianas e as guerras contra possessões francesas e espanholas na América Latina, os primeiros tempos e a reconstrução de uma cidade, etc., tudo está neste livro, um retrato fiel dos acontecimentos.
A corte podia limpar a cidade, criar novas instituições culturais, fomentar a educação, mas por muito brilho e sofisticação que trouxesse para o Rio de Janeiro, não podia escapar aos aspectos menos agradáveis da herança imperial portuguesa. Mesmo com os seus coros, orquestras e teatros, a cidade era ainda essencialmente um enorme mercado de escravos - de longe o maior da América.

17.1.07

A espingarda "Baker".

As novas tácticas introduzidas durante as Guerras Napoleónicas, levaram a que os ingleses reagissem, embora por vezes muito lentamente, encomendando aos fabricantes novos tipos de armas para contrariar os franceses no campo de batalha.
O "Board of Ordnance" responsável pelo design, teste e produção de armas e munições em Inglaterra desde o século XV, fez uma encomenda a Ezekiel Baker, algo inédito dado que até então fabricava mosquetes e reparava-os sob licença, mas vencendo o concurso lançado a 17 de Fevereiro de 1800 com o 3º design apresentado recebeu a "Pattern", ou seja, a "Baker" tornou-se uma das armas oficiais do exército britânico.
Pesava 4.08kg, tinha 1.16m e um calibre de 15.9mm, a sua menor envergadura face às suas congéneres da época era compensada pelo acoplamento de uma pequena espada ou terçado. Foi produzida até 1838, tendo servido em muitos teatros de guerra.
Uma das suas principais inovações foi a introdução de uma cano estriado, por oposição ao de "alma lisa" utilizado até então e que permitia um maior alcançe efectivo e uma maior precisão, embora por vezes fosse mais importante a sorte que a destreza no seu manuseamento. Outra inovação foi a integração do sistema de limpeza na coronha, permitindo a sua utilização mesmo no meio da batalha mais feroz.
Apesar de tudo era uma arma cujo processo de fabrico era muito complicado e oneroso para os cofres públicos, diversos dos seus componentes passavam por vários sub-contratados até que finalmente era realizada a montagem final. Basta referir que entre 1805 e 1815, apenas estavam em serviço cerca de 712 "Baker", não sendo por isso uma substituta para a "Brown Bess".
Ao invés decidiu-se equipar as novas unidades de "Rifleman" (atiradores, termo cuja designação provém da arma que utilizavam - Rifle) com a mesma e só as melhores e mais bem treinadas unidades a manuseavam no campo de batalha. Há que referir também que dado o seu menor calibre o processo de carregar e disparar era lento - a bala tinha que ser calcada dentro do cano.
Um episódio destaca-se durante a campanha peninsular como deveras exemplificativo desta arma, em 1809 durante a Batalha da Corunha o soldado Thomas Plunket deitou-se de costas apoiando a sua "Baker" no pé (uma das posições mais favoráveis para o tiro de precisão) e atingiu o General Colbert, de seguida e para provar que não fora um tiro de sorte atingiu igualmente um dos seus ajudantes de campo.

Brilos, parte 3

Os três pressupostos para a procura do local:
- Existência de um moinho.
- Uma ligeira elevação.
- Uma linha de àgua, excluíndo o Rio Real.
Na zona envolvente à vila de Óbidos existem várias elevações com moinhos, retratos de um passado não muito distante, hoje na sua maioria abandonados. Como temos que garantir três condições, descartamos logo alguns, por exemplo, nas Gaeiras já fora da povoação existe um com uma vista magnífica sobre o vale defronte, abrangendo as duas localidades que nos interessam, mas longe de uma linha de àgua.
No sítio de A-da-Gorda, para sul de Óbidos, lá está outro moinho que até cumpre os três pressupostos, no entanto, atendendo à descrição já referida anteriormente tem que se deixar de lado, pois os franceses recuam inicialmente para a vila amuralhada e só depois para a elevação que no dia seguinte ao do encontro de "Brilos", ficará para a História como a primeira posição francesa na Batalha da Roliça.
O Santuário de Santo Antão constituiu uma nova possibilidade, não sendo um moinho, fica no alto de uma escarpa com uma visão inigualável sobre o vale, o grande obstáculo são os acessos, já que é dificil subir e mesmo descer ainda nos dias de hoje, quanto mais se pensarmos que cada soldado trazia botas pesadas, a arma com cerca de 4kg, munições e pólvora, para além da mochila e do capote para passar a noite. Não sendo impossível torna tudo muito improvável.
Restava apenas mais uma possibilidade, mas era a que melhores condições oferecia.

16.1.07

Bloqueio Continental

Este é um tema incontornável para o período das Invasões Francesas, uma vez que constituiu uma das justificações para as mesmas. Mas o que era ao certo?
Napoleão Bonaparte em guerra com Inglaterra, viu os seus planos frustrados pela derrota da armada franco-espanhola ao largo de Trafalgar em 1805, sem meios para invadir as ilhas, resolve "fechar" o continente às mercadorias inglesas e isso tornou-se possível após a derrota das três outras potências europeias - a Áustria, a Rússia e a Prússia .
A 15 de Outubro de 1806, no rescaldo de Iena em que este último país sai largamente derrotado, é proclamado um decreto que levou o mesmo nome da batalha e onde se estipulava que todas as mercadorias inglesas capturadas reverteriam a favor do exército francês.
Em Berlim onde viu confirmada a sua superioridade continental surge um novo decreto, a 21 de Novembro e que interditava todo e qualquer comércio com as ilhas britânicas. A partir deste momento começa-se a falar de Bloqueio Continental, que seria alargado a todos os países, mesmos aqueles que ainda não tinham sido conquistados, ou com quem a França não possuía acordos de aliança.
Já em Tilsit no encontro que manteve com o Czar do Russos e de que resultou o tratado com o mesmo nome, para além de ter ficado consignada a divisão da Europa em duas esferas de influência, um dos artigos também estipulava que a Suécia e Portugal deveriam ser compelidos a decretar o bloqueio ou sofrer as consequências de uma invasão.
Esta seria sempre uma política que só funcionaria a longo prazo, mas o que é certo é que logo em 1806 e 1807, os ingleses começaram a sentir os efeitos da perda dos mercados continentais, algo que nem o contrabando efectuado por algumas nações entre as quais a nossa, ajudava a minorar. A tudo isto juntava-se o facto de os EUA terem igualmente decretado um embargo aos seus produtos.
Com grandes divisões internas entre os defensores da guerra e os que desejavam a paz, com o aumento do preço das matérias primas, com colheitas desastrosas e com um crescente mal estar social, parecia que não restava outro caminho senão negociar a paz.

15.1.07

Visita aos locais da 1ª Invasão

Já está marcada a data, será no dia 10 de Março de 2007, um sábado. Quanto ao programa ainda faltam limar algumas arestas, mas o mais brevemente possível será aqui anunciado, bem como o preço.
A Associação do Património de Óbidos e a Associação dos Castelos de Portugal são as entidades que estão envolvidas neste passeio que será coordenado pelo Dr. Pedro Fiéis e pelo Dr. João Tormenta. Para pré-inscrições contactar através do mail aureahistorica@clix.pt

A alimentação de um exército 2.

A ração diária de cada soldado francês na travessia da peninsula era composta por:
28 onças de pão de munição (875g); 8 onças de carne (39.25g); 16 onças de vinho ou cerveja; 2 onças de legumes (favas, ervilhas ou lentilhas, 62.5g); fantando estes 1 onça de arroz (31.25g).
Este seria o cenário ideal, mas logo à partida foi ordenado aos homens para carregarem o mínimo indispensável, traduzindo-se isso por rações reduzidas, esperando-se que as autoridades espanholas fornecessem tudo o mais que fosse necessário, o que não aconteceu, pelo que os soldados passaram fome e com o passar do tempo desfizeram as colunas formadas para vaguear pelos campos em redor em busca de alimento. Muitos não voltaram.
As perdas sofridas na travessia foram terríveis e todo e qualquer vestígio de organização se desvaneceu à medida que se aproximavam da fronteira portuguesa. Só umas quantas unidades puderam resistir às marchas forçadas e ao pouco alimento recebido.
Em Portugal as coisas não melhoraram, apesar de em Castelo Branco ter sido requisitado farinha para os homens, estes nem sequer esperavam que o pão cozesse, ocorrendo logo aí diversos roubos. A posterior travessia da Beira Baixa, seguindo o curso do rio Tejo, também em nada ajudou, pois era uma zona pouco fértil e que por isso nada oferecia aos esfomeados.
Só a chegada às Lezírias minorou um pouco o estado da situação, embora estes homens ao comerem bolotas cruas padecessem depois de doenças do estômago. Lisboa deve ter aparecido como um oásis, pois só aí foi possível restabelecer a ordem e alimentar em condições todos os homens, sendo inclusive enviados mantimentos para os muitos que tinham ficado para trás.
Recorde-se que de cerca de 25.000 homens que partiram de França, chegaram inicialmente a Lisboa 1400 e que só mais de um mês depois foi possível reunir à volta de 10.000.

13.1.07

Leitura

Wellington in the Peninsula 1808-1814 de Jac Weller, Greenhill Books 1999.
Livro recente de autor inglês e sujeito a algumas falhas, mas no seu computo geral, uma excelente iniciação para quem quer compreender melhor o período. Em inglês.

O Maneta

O general Loison comandante de uma das divisões do Exército de Portugal (termo que designa o exército francês de ocupação a partir de 1808), tinha perdido um dos seus braços na campanha do Rossilhão, precisamente segundo a lenda popular quando estava face a um batalhão de portugueses.
Um ódio talvez antigo, mas exacerbado pelos acontecimentos, uma vez que foi a este general que o seu comandante em chefe, general Junot, encarregou de abafar as revoltas que a partir de Maio eclodiam um pouco por todo o país excepto nas zonas onde estavam presentes tropas francesas.
"Olha aquele foi para o maneta", esta expressão popular nasceu na sequência dessas andanças de Loison, significando que quem lhe caía nas mãos não voltava, basta lembrar a revolta de Évora, onde todos os que não conseguiram escapar a tempo foram sumariamente fuzilados, sendo culpados ou não.
Este é um de muitos casos em que a memória das guerras peninsulares subsistiu até aos dias de hoje, embora por vezes se esqueça a origem.

O Campo do Burlão

Nas Caldas da Rainha ocorreu um dos episódios mais significativos da Primeira Invasão. Antes de o contar é preciso não esquecer que em 1808 esta localidade era relativamente pequena, estendendo-se para norte do Hospital Termal, que é um dos epicentros deste acontecimento. Os soldados franceses sofrendo de diversas doenças de pele e outras relacionadas, devido às longas marchas a que tinham sido submetidos e à falta de higiene, eram enviados em grupos de 100 ou 200 para os banhos.
A partir do dia 27 de Janeiro começa o desenrolar da acção que tem o seu ponto alto a 9 de Fevereiro. Começa com o general Thomiéres, governador da fortaleza de Peniche, a receber algumas queixas recebidas da parte de soldados sobre o tratamento recebido por parte dos habitantes locais, resolvendo enviar 7 granadeiros para policiar a localidade e incutir algum temor pelos franceses, mas os resultados não foram os por ele esperados.
Esses granadeiros limitavam-se a passear pelas tabernas provocando comentários jocosos da parte de quem os via e numa dessas ocasiões trocaram algumas palavras mais azedas com 2 agricultores, embora nenhuma das partes percebesse a linguagem da outra, o tom percebiam-no muito bem e um dos franceses resolve puxar da espada, levando-os a fugir.
Como a sua irmã tinha uma casa perto, um dos homens refugia-se aí, tendo a mulher escondido a chave no seu seio, os soldados não estiveram com meias medidas e violentaram-na antes de arrombarem a porta. Mas aos seus gritos acorreram alguns habitantes e soldados do 18 de infantaria do Porto que aí se achava aquartelado e só usando paus, pedras e facas como armas obrigaram os franceses a recuar. Para aumentar a confusão o capitão Favet chegava nessa altura com mais uma coluna de soldados doentes e ao ver a confusão para aí se dirigiu sendo forçado a largar a espada pela chuva de pedras que recebeu.
Humilhados os franceses cederam, mas a sua vingança não iria tardar, o próprio Thomiéres e Loison chegaram às Caldas à frente de 4.000 homens, tendo requisitado mantimentos para 10.000, os que não fossem utilizados seriam postos à disposição dos dois generais. Foi encarregado o Juiz de Fora de conduzir um inquérito aos acontecimentos, cujo resultado final foi o de culpar os granadeiros pela sua conduta indigna e provocatória.
Claro que um novo inquérito realizado sob a batuta de Thomiéres, culpou 15 portugueses, entre habitantes das Caldas e soldados do 18 de infantaria.Como 5 tinham fugido logo após os primeiros acontecimentos, restavam 10, entre os quais um cirurgião do regimento do Porto que consegue igualmente fugir após ver proferida esta sentença, mas ao saltar de uma janela parte uma perna e é recapturado.
No dia da execução seguem 9 condenados a pé para o Campo do Burlão, um descampado fora da localidade cercado por um muro e aí são sumariamente fuzilados, com a agravante de lhes serem dados poucos tiros para que os seus gritos de agonia pudessem ser ouvidos pelos caldenses. O cirurgião ferido foi levado numa padiola para o mesmo local, mas perante tamanha barbárie insurgiu-se um oficial alemão ao serviço de Napoleão que insistiu para que o homem se restabelecesse e só depois fosse cumprida a sua sentença. Foi então transportado para o hospital onde ficou sob vigilância permanente, mas assim que se restabeleceu voltou a fugir e nunca mais o encontraram.
No dia seguinte aos fuzilamentos e para coroar os acontecimentos, os soldados do 18 de infantaria do Porto foram levados ao mesmo Campo do Burlão, as suas fardas e insígnias rasgadas e todo o regimento dissolvido.
Pior para os franceses pois estes soldados levaram para as suas terras e nomeadamente para o Norte do país os relatos do que se passou nas Caldas da Rainha e de início em surdina mas em breve alto e bom som começou a formar-se um nítido sentimento anti-francês.

12.1.07

Brown Bess vs Charleville

A arma por excelência da época napoleónica foi sem dúvida o mosquete, produzido pelas nações beligerantes em grandes quantidades para equiparem a infantaria de linha, dominava os campos de batalha mas, não era isento de problemas. A sua pouca precisão derivada do cano de "alma lisa" e a propensão para avarias (quer devido ao uso de pólvora de má qualidade, quer por mau manuseamento), faziam com que fosse usado sempre em grandes concentrações para obstar aos problemas.
O mosquete "New Land Pattern", designação dada às armas que equipavam o exército de terra inglês, começou a ser desenvolvido a partir de 1768 e foi usado tão tardiamente como 1850. Alcunhado pelos soldados de "Brown Bess", um nome de que não se tem a certeza da origem mas que muito provavelmente estará ligado à cor com que surgiram inicialmente, tinha 1.39m de comprimento, 4.2kg de peso e um calibre de 19.3mm.
Com um alcance efectivo de cerca de 150 metros (embora pudesse disparar a cerca de 450 metros), garantia a uma unidade experiente uma cadência de 3 a 4 tiros por minuto, um grande poder de fogo necessário para parar o fortissimo avanço de uma coluna francesa, algo que só mesmo os ingleses conseguiram.
A sua construção era feita de maneira diferente das suas outras congéneres da época, integrando muitos elementos só de ferro (ex., cano, partes do mecanismo de disparo e vareta) para garantir uma maior robustez e redução de peso através da eliminação das braçadeiras que uniam o cano à madeira e sua substituição por espigões laterais
Foi uma arma com algumas modificações ao longo dos anos destinada à sua adaptação a diversas forças e que serviu não só em exércitos aliados aos ingleses, como foi o caso do português, mas também por exemplo no mexicano na guerra contra os EUA.
Já o mosquete modelo 1777, mais conhecido por Charleville, equipava o exército francês e tropas aliadas, sendo também uma arma largamente difundida, incluindo África e o Médio-Oriente. Sofreu diversas alterações ao longo dos seus anos de existência, em 1801 surge o modelo ano IX, que resultou num aumento do cano e na substituição da caçoleta de ferro por uma de bronze, menos corrosiva. Tinha 1.5m de comprimento, 4kg de peso e um calibre de 17.5mm. O seu alcance efectivo rondava os 200 metros.
Em termos do seu uso no campo de batalha, sem dúvida que os ingleses tiraram melhor partido da arma que possuiam, aproveitando ao máximo o seu maior poder de fogo e fazendo alinhar em linha dupla ou tripla a sua infantaria. Normalmente a táctica seguida era o de resguardar os homens por detrás de uma elevação e quando as colunas inimigas já estivessem a cerca de 50 metros alinhavam no topo e disparavam. Estas tropas inglesas eram das mais disciplinadas e profissionais do seu tempo o que assegurava aos seus generais que mesmo debaixo de fogo conseguiam manobrar.
Ao contrário dos franceses, cuja qualidade de treino era insuficiente, dado todos os teatros de guerra em que estavam envolvidos e as consecutivas conscrições a que estavam obrigados. Para fazer face ao problema Napoleão criara a táctica do avanço em coluna precedido por Voltigeurs (atiradores que actuavam dispersos) que começavam a infligir as primeiras perdas nas linhas inimigas desorganizando-as e permitindo então que as diversas colunas chegassem perto e formassem em linha.
Resultou plenamente conta Prussianos, Autriacos e Russos, mas os Ingleses estavam preparados para a mesma, ao precederem igualmente as suas tropas de atiradores, equipados com a espingarda Baker de superior alcance e precisão. Novamente um treino mais prolongado fazia sentir o seu efeito quando os Voltigeurs não conseguiam passar por estes homens e só com a chegada da restante tropa, os mesmos retiravam, significando que as linhas atrás estavam intactas e prontas a entrar em acção.
Noutro capítulo abordaremos a espingarda Baker e a mini revolução que trouxe ao campo de batalha, de forma resumida conclui-se que um maior calibre garantia aos ingleses um maior poder de fogo e que as balas não acabariam, pois podiam usar as do inimigo. Mas os aperfeiçoamentos feitos na Charleville conferindo-lhe um alcance superior, tornavam-na igualmente temível nas mãos de uma unidade experiente.

11.1.07

Leitura.

Notas de uma viagem a Portugal e através de França e Espanha de Heinrich Friedrich Link edição da Biblioteca Nacional 2005.
É uma descrição do nosso país, visto pelos olhos de um alemão que o percorreu de norte a sul entre 1798 e 1800. Inicialmente o plano era o de elaborar um compêndio sobre a fauna e flora, mas o livro vai muito para além disso escrevendo também sobre as cidades, vilas e lugares, os campos, as estradas, os costumes, etc.
Há passagens muito interessantes, como a descrição da capital e a constatação do facto que era mais perigoso viajar de noite do Terreiro do Paço para o lado oriental, do que fazer a travessia da Península.
Claro que noutros aspectos subsiste a sobranceria de quem ainda via os reinos ibéricos como algo de obscuro, quase medieval, mas no seu todo é uma leitura muito interessante, contendo inclusive, pelo relato feito das estradas percorridas, pistas muito importantes para a localização das antigas estradas reais.
Deixo aqui dois breves trechos:
Torres Vedras é uma pequena cidade a sete léguas de Lisboa, situada numa colina onde se encontram as ruínas de um velho castelo. Tem pouco mais de 600 fogos, quatro igrejas paroquiais e três conventos fora da cidade. As igrejas e os conventos dão-lhe um aspecto melhor do que depois se acha.(...) De Torres Vedras até perto de Óbidos, cinco léguas, tem-se uma região deserta e mal cultivada: primeiro pinhais, depois charnecas e apenas uma ou duas aldeias miseráveis e insignificantes.(...)
(...)A uma légua de Óbidos encontra-se a cidadezinha das Caldas, local muito conhecido e frequentado por causa dos seus banhos sulfurosos.(...)

10.1.07

Brilos, parte 2.

Os Três pressupostos que nos regem na procura do local são:
- Existência de um moinho.
- Uma ligeira elevação.
- Uma linha de àgua, excluíndo o Rio Real.
A tradição oral da região coloca o local do primeiro confronto entre Ingleses e Franceses no dito moinho dos "Arrifes", assim designado por se encontrar no alto de uma formação rochosa.
O problema é que este moinho está muito perto de Óbidos, não sendo possível avistar daí a saída das Caldas da Rainha pela antiga estrada real, que segundo um mapa do Instituto Geográfico do Exército, se iniciava antes do actual quartel militar e passava na Aldeia de Nossa Senhora da Luz, num percurso ainda hoje existente, mas mais interior e sinuoso em relação ao da actual estrada nacional.
Assim, para além de não ser possível avistar os movimentos do inimigo, só o presuposto da elevação se cumpre neste local. Outro factor contra esta possibilidade, foram os relatos do combate que referem que os ingleses surpreenderam as tropas franceses que, foram forçadas a retirar no sentido de Óbidos.
Sempre perseguidos e até então a sofrerem baixas pesadas, os franceses puderam aí ripostar dado que alguns soldados colocadas nas muralhas e arrabaldes usaram o seu fogo crusado para parar o avanço inglês, tendo estes por sua vez sofrido perdas, entre as quais alguns oficiais.
Os acontecimentos não seriam descritos desta forma se o local que procuramos fosse efectivamente o Moinho dos Arrifes, o que se passa segundo a nossa opinião, é que os franceses tinham efectivamente colocado homens na vila e à sua volta, não com o intuito de a defender, mas sim o de atrasar a progressão do inimigo.
Também para a população local os confrontos do dia foram mais prolongados junto à vila, onde se deu o tal contra ataque francês e onde os Ingleses tiveram que esperar por reforços para os desalojarem das suas posições. A troca de tiros em "Brilos" foi muito breve, devido ao efeito supresa alcançado.
Posto isto, o local foi descartado, mas o problema é que em redor e nesta mesma região ainda subsistem vários outros moinhos.
(a continuar)



5.1.07

Fontainebleau

Castelo de Fontainebleau, em França.
Neste local foi assinado um tratado entre os reis de Espanha e o imperador dos Franceses, que consagrava a conquista e divisão do reino de Portugal.

Brilos, parte 1.

O mistério perdurou durante séculos, que local será esse onde foram disparados os primeiros tiros da guerra peninsular, iniciada em 1808 e que só terminaria em 1814, já em território francês.
Não fora precisamente esse facto e "Brilos" teria ficado na obscuridade como mais um daqueles locais em que franceses e ingleses se defrontaram. Mas o simbolismo a ele associado levou a que muitos o procurassem.
Para esclarecermos o mistério, há que primeiro verificarmos as fontes históricas, assim tanto Oman como Napier, dois autores ingleses, fundamentais para qualquer estudo deste período descrevem o local como tendo um moinho, uma ligeira elevação e uma linha de àgua que passava por perto, mas excluindo o rio Real.
O Duque de Wellington nos seus despachos, refere-se a "Brilos" como sendo "a village". Resta referir que há um ponto em que todos os autores estão de acordo, o local está situado na região de Óbidos.
O Atlas da Guerra Peninsular que está na Biblioteca Nacional, aponta o local como ficando a meio caminho entre Caldas da Rainha e Óbidos, há agora que verificar a estrada real, ou seja, por onde é que ela passa para ligar estas duas localidades?
Os próprios autores portugueses contemporâneos, como Acúrcio das Neves e Soriano Luz Afonso, nunca se referem ao local com uma designação portuguesa, adoptando a que foi transmitida pelos ingleses "Brilos", podemos especular portanto tratar-se de uma deturpação.
(a continuar)

Visita aos locais da 1ª Invasão

Uma boa notícia, os responsáveis por este blog, vão organizar uma visita pelos locais que fizeram a história da primeira invasão francesa na região oeste.
Será um dia para descobrir locais onde ocorreram revoltas, saques e mesmo fuzilamentos. Visitaremos também a Roliça e o Vimeiro, palco das duas batalhas que puseram fim à primeira invasão e ainda o Porto Novo, local de desembarque dos ingleses.
Pelo meio haverá uma paragem para almoçar na Lourinhã, onde visitaremos a Igreja de Stª. Maria do Castelo, exemplo único do gótico em Portugal.
Para além de toda a componente histórica da visita à que salientar igualmente a vertente ambiental, já que passaremos por locais de uma beleza natural ímpar, como sejam o Alto do Picoto, ou mesmo o Alto da Ventosa e Porto Novo.
Brevemente será aqui anunciada a data do evento, bem como o programa completo, com informações detalhadas.