13.1.07

O Campo do Burlão

Nas Caldas da Rainha ocorreu um dos episódios mais significativos da Primeira Invasão. Antes de o contar é preciso não esquecer que em 1808 esta localidade era relativamente pequena, estendendo-se para norte do Hospital Termal, que é um dos epicentros deste acontecimento. Os soldados franceses sofrendo de diversas doenças de pele e outras relacionadas, devido às longas marchas a que tinham sido submetidos e à falta de higiene, eram enviados em grupos de 100 ou 200 para os banhos.
A partir do dia 27 de Janeiro começa o desenrolar da acção que tem o seu ponto alto a 9 de Fevereiro. Começa com o general Thomiéres, governador da fortaleza de Peniche, a receber algumas queixas recebidas da parte de soldados sobre o tratamento recebido por parte dos habitantes locais, resolvendo enviar 7 granadeiros para policiar a localidade e incutir algum temor pelos franceses, mas os resultados não foram os por ele esperados.
Esses granadeiros limitavam-se a passear pelas tabernas provocando comentários jocosos da parte de quem os via e numa dessas ocasiões trocaram algumas palavras mais azedas com 2 agricultores, embora nenhuma das partes percebesse a linguagem da outra, o tom percebiam-no muito bem e um dos franceses resolve puxar da espada, levando-os a fugir.
Como a sua irmã tinha uma casa perto, um dos homens refugia-se aí, tendo a mulher escondido a chave no seu seio, os soldados não estiveram com meias medidas e violentaram-na antes de arrombarem a porta. Mas aos seus gritos acorreram alguns habitantes e soldados do 18 de infantaria do Porto que aí se achava aquartelado e só usando paus, pedras e facas como armas obrigaram os franceses a recuar. Para aumentar a confusão o capitão Favet chegava nessa altura com mais uma coluna de soldados doentes e ao ver a confusão para aí se dirigiu sendo forçado a largar a espada pela chuva de pedras que recebeu.
Humilhados os franceses cederam, mas a sua vingança não iria tardar, o próprio Thomiéres e Loison chegaram às Caldas à frente de 4.000 homens, tendo requisitado mantimentos para 10.000, os que não fossem utilizados seriam postos à disposição dos dois generais. Foi encarregado o Juiz de Fora de conduzir um inquérito aos acontecimentos, cujo resultado final foi o de culpar os granadeiros pela sua conduta indigna e provocatória.
Claro que um novo inquérito realizado sob a batuta de Thomiéres, culpou 15 portugueses, entre habitantes das Caldas e soldados do 18 de infantaria.Como 5 tinham fugido logo após os primeiros acontecimentos, restavam 10, entre os quais um cirurgião do regimento do Porto que consegue igualmente fugir após ver proferida esta sentença, mas ao saltar de uma janela parte uma perna e é recapturado.
No dia da execução seguem 9 condenados a pé para o Campo do Burlão, um descampado fora da localidade cercado por um muro e aí são sumariamente fuzilados, com a agravante de lhes serem dados poucos tiros para que os seus gritos de agonia pudessem ser ouvidos pelos caldenses. O cirurgião ferido foi levado numa padiola para o mesmo local, mas perante tamanha barbárie insurgiu-se um oficial alemão ao serviço de Napoleão que insistiu para que o homem se restabelecesse e só depois fosse cumprida a sua sentença. Foi então transportado para o hospital onde ficou sob vigilância permanente, mas assim que se restabeleceu voltou a fugir e nunca mais o encontraram.
No dia seguinte aos fuzilamentos e para coroar os acontecimentos, os soldados do 18 de infantaria do Porto foram levados ao mesmo Campo do Burlão, as suas fardas e insígnias rasgadas e todo o regimento dissolvido.
Pior para os franceses pois estes soldados levaram para as suas terras e nomeadamente para o Norte do país os relatos do que se passou nas Caldas da Rainha e de início em surdina mas em breve alto e bom som começou a formar-se um nítido sentimento anti-francês.